sábado, 19 de fevereiro de 2011

"Você é crente?"

Mais um fato curioso ocorreu comigo ultimamente. Dois indivíduos, em dias diferentes, me pararam na rua para pedir esmolas e, depois de eu dar-lhes algumas moedas, me indagaram:

- Você é crente?

Ao primeiro deles, simplesmente respondi que não e saí, sorrindo. Ao outro, posteriormente, disse que não e que era espírita.

Esses fatos merecem reflexão.

Sinceramente, admiro-me com meus irmãos cristãos pela imagem que passam junto aos necessitados do Mundo. A caridade realizada pelos evangélicos é tanta que os indigentes, ao serem ajudados, relacionam a ajuda sempre a alguém da crença protestante.

Isso demonstra que para a caridade, não existem fronteiras, e que nós, espíritas, deveríamos igualmente dar o exemplo de excelentes caridosos, buscando demonstrar aos nossos irmãos sofredores que aqui estamos para auxíliá-los na dor, diminuindo-lhes as aflições.

Uma coisa que eu sempre busco ao lidar com pessoas que requerem meu auxílio nas ruas é dar-lhes o mínimo de atenção. Sendo sincero, olhando-os nos olhos, realizando prece íntima a favor deles, tratando-os como irmãos e não como seres inferiores e animalizados, como a maioria os tratam.

Quantos, em verdade, tratam os mendigos e pedintes de forma carinhosa, afável? Imaginemo-mos nós outros na situação deles. Gostaríamos que fôssemos tratados com tamanho menosprezo? Quantos enxergam neles homens enganadores, maus, sendo que, no mais das vezes, assim agem em resposta à ofensa praticada pela própria sociedade, que os excluem, os humilham e os relegam ao total abandono material e moral.

O desprezo é tanto que, certa vez, um colega afirmou que odeia quando esses indigentes pedem-lhe ajuda, pois na verdade, "eles não precisam pedir! Pedem pra comprar cachaça e/ou drogas! É por isso que eu não dou nada! Vou ficar alimentando o vício desses imundos?"

Fiquei pasmo diante desse sentimento de total aversão a outro ser, tão humano quanto ele próprio, que se encontra numa situação de total dependência, abandonado pelo Estado e por nós. Aliás, esse é outro argumento utilizado: "É função do Estado dar o mínimo existencial a esses seres, e não minha!". Quanto egoísmo nessas palavras! Para retratar a situação, peço aos leitores que imaginem a sociedade planetária como uma grande família. Caso o pai dessa família não alimentasse a um de seus filhos, seus irmãos deixariam-no abandonado à própria sorte? Ou é função também dos irmãos auxiliar outro irmão? O mesmo se dá para com os indigentes. Se o responsável por sua sustentação não o cumpre, abandonaremos os mesmos à morte lenta e dolorosa da fome?

De outras vezes, escuto pessoas afirmarem: "Mas esse cara fica pedindo todo dia!", olvidando-se tais pessoas que esse "cara" sente fome todos os dias, da mesma forma que nós outros sentimos o mesmo em diversos momentos do dia.

Existem aqueles, ainda, que se irritam quando os mendigos não aceitam a comida oferecida, muitas vezes porque aquela comida está vencida, com mau cheiro ou se constitui de restos. Esquecem esses irmãos que quando vamos a um restaurante ou fazemos compras, escolhemos aquilo que mais nos agrada para nos alimentarmos. Ainda que esteja recebendo de graça, optamos por ingerir ou não certo alimento. Porque, da mesma forma, nossos irmãos que habitam as ruas não podem também optar pela comida que mais lhe agrada? Somente pelo fato de estarmos dando, eles são obrigados a aceitar e comer?

Sobre as esmolas, o argumento de muitos é que o dinheiro dado será direcionado às drogas ou ao álcool, no entanto, existem muitos outros que utilizam do dinheiro efetivamente para se alimentar e, por causa do mau exemplo de alguns, prejudicaremos tantos outros?

Certamente que o problema da mendicância atinge patamares muito mais complexos do que essa superficial análise que aqui faço, no entanto, não podemos ser os juízes desses irmãos, condenando-os à exclusão social eterna e considerando-os como preguiçosos e viciados.

Não defendo aqui que devemos estimular a ociosidade alheia ou estimular vícios infelizes, porém, relegá-los ao total abandono não é postura cristã ensinada por nosso Mestre Amado. Quantas vezes Jesus exemplificou o amar ao próximo como a si mesmo? Com que classe de pessoas Jesus caminhou em sua jornada terrena? Caminhara com os nobres, imperadores, reis e favorecidos economicamente? Ou foi cercado justamente pelos indigentes, pelas prostitutas, miseráveis e enfermos?

Que possamos partilhar aquilo que possuímos, pois algumas moedas não nos farão falta, ou ainda menos um prato de comida quente e fresca, que, no entanto, para nossos irmãos, constitui valoroso tesouro. É a eterna questão de colocarmo-nos na condição alheia. Não podemos devassar o futuro, por isso, jamais poderemos afirmar que não estaremos em situação semelhante à desses irmãos. Sendo assim, que tratemos os mendigos da mesma forma que trataríamos a nós próprios num futuro incerto, pois não sabemos o que nos aguarda se continuarmos a desprezar tal parcela da sociedade.

Caridade: Palavra que define gama imensa de obrigações e deveres que o verdadeiro cristão jamais deve olvidar-se, realizando-a diariamente para com todos, sem exceção. Especificamente, nós, espíritas, devemos atentar mais profundamente a questão, pois sabemos que com as diversas reencarnações porvindouras, poderemos habitar outros corpos em condições análogas as que sofrem nossos irmãos de hoje, razão pela qual devemos tratá-los com total respeito que aguardamos ser tratados.

Quem sabe assim, um dia, ao auxiliar-mos nossos companheiros menos favorecidos, eles possam nos questionar:

- "És espírita?"

2 comentários:

  1. Essa questão da esmola é sempre controversa mesmo.
    Não dá pra se debater e pensar muito ante a possibilidade de se ajudar alguém; se discutir o "sexo dos anjos", o que a pessoa vai fazer com o auxílio, se merece ou não, etc.

    Como diz Bezerra de Menezes: "Caridade muito discutida, chega tarde."

    É a questão de se analisar a caridade no seu âmbito material e moral.
    Certamente temos que focar especialmente em valores eternos do espírito, em questões de ordem moral e intelectual, que a pessoa vai levar para a eternidade, além do corpo.

    Mas ninguém consegue pensar nessas coisas de barriga vazia.
    Nem nós conseguimos, por que vamos exigir isso das outras pessoas?

    Pessoas dizem que Jesus falou "que não só de pão vivem o homem, mas também de toda palavra que procede da boca de Deus".
    Mas se esquecem que depois de falar de Deus às pessoas, Ele multiplicou o pão e os peixes para alimentá-las.

    Todavia, devemos estar atentos ao que você escreveu.
    Dá esmola é muito fácil.
    Você nem precisa olhar para a pessoa: bota a mão no bolso e joga a moeda no chão que ela, necessitada, vai pegar avidamente.

    Mas dá a esmola com um olhar de ternura, um sorriso no rosto, não negar o aperto de mão, isso é muito diferente.

    Por isso que gosto desse parágrafo do mestre Allan Kardec em O Evangelho Segundo o Espiritismo:
    "A beneficência praticada sem ostentação tem duplo mérito. Além de ser caridade material, é caridade moral, visto que resguarda a suscetibilidade do beneficiado, faz-lhe aceitar o benefício, sem que seu amor-próprio se ressinta e salvaguardando-lhe a dignidade de homem (...)
    A verdadeira caridade é delicada e engenhosa no dissimular o benefício, no evitar até as simples aparências capazes de melindrar, dado que todo atrito moral aumenta o sofrimento que se origina da necessidade.
    Ela sabe encontrar palavras brandas e afáveis que colocam o beneficiado à vontade em presença do benfeitor. A verdadeira generosidade adquire toda a sublimidade, quando o benfeitor, invertendo os papéis, acha meios de figurar como beneficiado diante daquele a quem presta serviço."

    Abraço!

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  2. Realmente concordo com tudo que disse. Sei também que hoje não sabemos quem sinceramente precisa da esmola, ouvimos tantos casos de pessoas pedintes que são charlatões, mas com certeza existe em grande maioria aqueles que precisam de uma ajuda um apoio não é só dá uma esmola, temos que olhar para aquela pessoa de igual para igual, ele(a) é ser como todos noós em provações muito maiores q as nossas cabe a nós ajudarmos, pois nunca saberemos se já aconteceu com a gente ou se um dia poderá acontecer. Eu geralmente não costumo dá esmola a qualquer um, mas aqueles que me partem coração principalmente criança que muitas vezes levados pelos pais não tem a noção da gravidade da situação. Se usarmos nossa sensibilidade ao deixar nossos amigos espirituais agir sobre nós saberemos aqueles que realmente precisam se estivermos aptos a ajudar de verdade.

    beijo

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