domingo, 23 de janeiro de 2011

Auxílio à Jesus

     Os raios solares causticantes brilhavam sobre nossas cabeças, castigando a pele já flagelada pelos açoites da crueldade e iniquidade humana, que, inflados pelo ego ferido dos Publicanos, exigiam a pena máxima para Jesus: A crucificação.

     Diante de mim, ajoelhado, com o dorso coberto de feridas profundas provocadas pela violência do soldado romano responsável pela punição determinada pelos representantes do Povo, encontrava-se o Mestre, impassível, com o olhar sereno, como que se já aguardasse as horas supremas de seu martírio, em favor de toda a Humanidade.

     No entanto, não pude mais suportar as dores que lhe dilaceravam o corpo frágil e pus-me à sua frente, ajoelhando também, fitando seus lindos olhos, os mesmos olhos que transmitiram a verdadeira Paz de Espírito aos sofredores, o perdão de todas as ofensas, a cura das enfermidades do corpo e da alma e a mensagem dileta de Deus aos Homens, concitando-nos à mudança íntima, à reforma das idéias e pensamentos frívolos que dominavam a psicosfera de Roma e de todas as civilizações terrenas atuais.

     O tempo parecera-me estagnado. Não mais os gritos frenéticos da turba ameaçadora a volta do Cristo. Não mais o estalar do chicote, abrindo feridas terríveis sob aquela carne sublime. Não mais as cusparadas e humilhações perpetradas pelos homens responsáveis pela "ordem" do império, em desfavor do Enviado, que, qual um cordeiro, aceitava o momento do abate para satisfazer a fome dos homens.

     De sua fronte escorria seu sangue, misturado com o veneno dos espinhos daquela coroa improvisada pelo sarcasmo de Herodes Ântipas, que não pôde vislumbrar o erro cometido, aproveitando-se de sua situação privilegiada entre os homens para impor humilhação e suposta desonra ao Cristo, que a tudo aceitava, inabalável.

     Ali estávamos, somente eu e o Mestre, naqueles instantes que pareceram-se eternos. Vi-me retirando-Lhe a coroa de espinhos, desatando os nós de grossas cordas, que oprimiam os pulsos do Salvador, levantando-O e colocando-O aos meus ombros, para que fosse possível a fuga, o distanciar daquele martírio terrível. Porém, tudo não passou de ínfima tentativa de aliviar as dores do Cordeiro, pois, ao tentar desvencilhá-Lo dos objetos que lhe infligiam as dores supremas do testemunho, Jesus levantou-me a fronte, com seus dedos ensangüentados e olhou-me, atingindo meu espírito de forma avassaladora.

     Nada disse, no entanto, ao fixar aqueles olhos fulgurantes, pude perceber a sua intenção. Dizia-me o Cristo, naquele gesto, que o seu martírio era necessário, quase que intencional. Toda a sua curta Vida enquanto encarnado na Terra convergia para aquele momento, aquele suplício. Somente dando a própria Vida poderia salvar toda a humanidade, que, no momento propício, despertaria para as Verdades Eternas, louvando Aquele que veio em nome de nosso Criador para trazer-nos o Teu Reino.

     Quis debater, responder àqueles olhos, mas nada consegui expressar, tendo a voz embargada pela emoção que me atingia, pela energia infalível do Amado Mestre. Tentei, ainda, explicar os meus motivos, demonstrar que fugindo dali, Ele poderia dar continuidade aos seus ensinos, à sua dedicação, ao seu labor abençoado junto aos homens. Porém, de nada adiantou tais tentativas, pois o Mestre, inabalável na sua Fé ainda inatingível, deu leve sorriso, concitando-me a raciocinar que meus esforços não teriam qualquer sucesso.

     Se realmente quisesse, Cristo se retiraria, calmamente daquele local fétido e imundo, marcado por tantas dores de outros seres também ali condenados, que desencarnaram açoitados, torturados, humilhados. Porém, esta não era a Vontade do Pai. E então, pude compreender que aquelas horas supremas de testemunho eram necessárias para o início do Reino de Deus na Terra, pois que O Filho do Criador dividiria o Tempo em antes e depois de sua vinda, sobreviveria à morte do corpo, para resplandecer em Luz inigualável no Além, continuando a amar os homens e a enviar periodicamente seus Mensageiros Eternos, que aliviariam as dores transitórias.

     Dessa forma, após verificar a impossibilidade do meu ato, desesperei-me. Não suportava mais vislumbrar o Mestre naquele estado de total submissão aos desmandos terrenos, sem cogitar que, em verdade, o Cristo estava em total submissão aos desígnios Divinos. No momento, não obstante, desejava auxiliar o Salvador, cuidando de suas feridas e, diante de minha impotência, chorei. As lágrimas corriam abundantes em minha face, molhando as mãos que acorriam desesperadas ao encontro das mãos de Jesus, implorando-lhe que permitisse o meu auxílio, retirando aquela coroa de espinhos, limpando-Lhe as feridas, vestindo-O, alimentando-O e matando Sua sede.

     Mais uma vez, pude constatar a Sabedoria Divina presente n'Aquele Ser de Luz. Jesus segurou minhas mãos e, enquanto eu, em prantos, O fitava, Ele moveu lentamente a cabeça para minha esquerda, olhando para algo que encontrava-se por detrás de meus ombros. Ao acompanhar seus olhos, percebi que o Mestre fitava a multidão, consternado com a loucura temporária que a arrebatava. Continuou, então, o Senhor, a fitar aqueles seres, pousando a vista nas crianças que ali se encontravam confusas pela algazarra, pelo barulho ensurdecedor da turba alienada, que gritava impropérios ao Cordeiro de Deus. Fitou, ainda, as mulheres que antes O seguiam em suas pregações à beira do Lago de Genezaré, mas que agora não conseguiam apoiá-lo, com medo das represálias violentas a que seriam sujeitas.

     De início, pensei que Jesus queria refletir sobre o que ocorria, buscando a solução daquele martírio, no entanto, Ele fez-me compreender que toda aquela minha vontade de auxiliá-lo, deveria ser revertida àquelas crianças, àqueles homens e mulheres animalizados pela sua condição espiritual endividada e endividando-se cada vez mais.

     Na minha total pequenez diante daquele Homem sublime, pude somente chorar, envolvendo o próprio rosto com as mãos e levando-os ao chão, agradecendo a Deus por aquele momento junto ao seu Filho dileto, que afagava meus cabelos, dizendo-me:

     - "Se desejas retirar-me a coroa de espinhos, faze primeiro com estes nossos irmãos, iludidos que estão com as coroas de espinhos das facilidades mundanas, dos vícios e imperfeições, da maldade e da iniquidade, da infelicidade e da dominação pela força daqueles considerados fracos perante os homens."

     "Se desejas, ainda, limpar-me as feridas, vai primeiro perante esses meus pequeninos e limpai as suas próprias feridas, auxiliando-os a auxiliar-te, pois ao ajudá-los, em verdade, estarás ajudando-te, em amá-los, estarás amando-te e, em serví-los, estarás servindo ao nosso Pai que estás nos Céus".

     "Por fim, se desejas vestir-me e alimentar-me, vai primeiro às crianças desalentadas no caminho da existência, aos órfãos, aos que não conhecem senão a maldade e dureza dos homens. Vai primeiro aos velhinhos que rogam esmolas nas esquinas, praticamente desnudos e totalmente entregues à doença do corpo e da alma."

     "Portanto, amigo, vai primeiramente aos infelizes da Terra para, após, vir a Mim e constatarás que, ao retirar-lhes a coroa de sofrimentos, ao limpar suas feridas, ao vestí-los e alimentá-los, em verdade, fora a Mim que fizestes".

     Não pude mais oferecê-lo resposta. Aquelas palavras tocaram-me fundo n'alma, que, abatida, prostrava-se ao chão, sem forças para levantar, com a mente fervilhada dos ensinamentos divinos. Não sei quanto tempo ali ficara, em estado de êxtase espiritual. Tanto tempo havia decorrido, que, quando finalmente pude encontrar forças para levantar-me, o Mestre não mais ali estava. Nem Ele, nem o soldado que o açoitava, nem a turba que gritava infrene para ver o solo cada vez mais pintado de sangue. Somente eu ali me encontrava, diante da tora de madeira a que fora colocada o Nazareno, colorida com o vermelho daquele abençoado sangue.

     Saí, então, às pressas, para saber o que havia ocorrido, se o Mestre encontrava-se salvo, se alguma alma caridosa dos asseclas de Herodes conseguira convencê-lo do erro de não proporcionar o devido processo para verificação de culpa nas ações de Jesus.

     A esperança de encontrar o Mestre novamente lecionando-nos sobre as Divinas Verdades fora destruída, no entanto, quando avistei, ao longe, o Gólgota repleto de uma multidão em derredor de três imensas cruzes levantadas. Ao aproximar-me, verifiquei o corpo do Mestre Amado pendurado na cruz central, a multidão que o cercava, dirigindo-Lhe palavras ferinas de humilhação e sarcasmo, enquanto um dos guardas Lhe oferecia a última taça de fel a ser ingerida por Ele: a ponta de uma curta lança, que penetrou-Lhe as carnes, provocando então a ferida mortal que viera a retirar suas últimas resistências, auxiliada pela asfixia dos pulmões, quando não havia mais condições de enchê-los do ar purificado que O rodeava, em virtude de quanto esticados estavam seus braços.

     Ao dizer a eternizada frase aos homens terríveis que o castigavam o belo corpo, Jesus abandonou as vestes terrenas para alçar vôo inigualável aos Céus, retornando à Casa do Pai Amantíssimo, que recebeu solicitação de seu Filho Maior para perdoar-nos, pois não sabíamos o que estávamos fazendo.

     Ainda hoje, nós, Humanidade, tão desregrada e entregue à satisfação dos vícios terrenos temporários não sabemos o que estamos fazendo, mas, como ocorre no alvorecer de novo dia, a Terra passa, pouco a pouco, de forma lenta e gradativa, da fria madrugada para o amanhecer bendito, onde lindos pássaros nos recebem com suas belas cantorias e o Sol Divino nos aquece o Espírito Eterno junto à Jesus, Senhor da Terra em Transição.

Um comentário:

  1. Gostei.
    Bem bonito.
    Nos faz sentir toda a emoção do calvário, da caminhada do Mestre até o Gólgota.

    É psicografia da Amélia Rodrigues? hehe
    Lembrei das mensagens dela no livro Primícias do Reino.

    Muito bom.

    Abraços!

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