terça-feira, 5 de abril de 2011

Caminho da Redenção

Em avançada madrugada, surge vulto veloz a atravessar a via pública. Acobertado pelas sombras noturnas, um homem dispara, em fuga pelas ruas descampadas de um bairro marginalizado, localizado numa grande capital brasileira.

Apenas à luz de alguns poucos postes no referido subúrbio, segue Marcos a sua corrida desenfreada, parecendo fugir de algo ou de alguém. Na verdade, este indivíduo acabara de cometer crime escuso contra um casal desatento e imprevidente, a poucas quadras dali.

Retrocedendo alguns minutos do relógio de nossa história, poderemos avistar Marcos, arma em punho, abordando um casal que saía de uma casa noturna, inebriados pela utilização de bebidas alcoólicas e outras substâncias entorpecentes.

Após aguardar o casal afastar-se um pouco do local, virando a primeira esquina, Marcos aproveitou o ensejo e seguiu-os, anunciando o assalto. O homem, sem entender de pronto a ocorrência, respondeu com ironia:

- Ah! Mas era só o que me faltava! Um vagabundo a essa hora da madrugada pedindo esmolas! Nada tenho! Vá daqui antes que eu chame a polícia!

No entanto, o referido homem ainda não havia notado que não se tratava de um maltrapilho a implorar por moedas, mas sim de um homem conhecido em seu meio criminoso, prestigiado pelos seus companheiros de erro em virtude dos atos nefandos que cometia em seus delitos.

A mulher que acompanhava a cena, ao perceber o brilho metálico da arma reluzindo na noite escura, soltou um grito de horror, rogando por auxílio a qualquer um que a ouvisse.

Pior conseqüência não poderia advir desse ato, uma vez que o alerta somente encolerizou Marcos, fazendo-o ameaçar o casal, apontando o instrumento fatal que portava na altura da fronte daquela mulher.

A este gesto, o homem, reconhecendo a gravidade da situação, desmontou de seu pedestal de ironia e suposta superioridade e, tomado pelo medo, implorou misericórdia à Marcos, que, implacável, não deu ouvidos às súplicas oferecidas, golpeando-o no rosto com o cabo do revólver.

O homem desabou, desacordado. A mulher, em prantos, ajoelhada sobre o corpo da vítima inconsciente, não conseguia emitir qualquer palavra, chorando copiosamente e oferecendo seus pertences mais caros.

Marcos agarrou o colar oferecido e revistou os bolsos do homem desacordado, enchendo os próprios com todos os objetos encontrados.

Ao cogitar abandonar a cena, porém, pensamento trevoso inspirou-lhe a mente. A idéia fixa a lhe perturbar as idéias sugeria-o a tomar aquela mulher à força, satisfazendo seus desejos animalizados.

Marcos não imaginava que, em seu derredor, postavam-se dezenas de entidades trevosas, dedicadas somente ao Mal e à satisfação das necessidades carnais. Seres desfigurados pelo desequilíbrio berravam e gargalhavam, exigindo o prêmio daquela noite: a bela mulher jogada ao asfalto, a implorar por sua própria vida.

Marcos, totalmente entregue às vibrações de baixíssimo teor vibratório, acatou a idéia infeliz e, com o brio tomado pelo desejo, exigiu que a mulher se despisse. Diante do olhar aterrorizado que adveio em resposta, Marcos, ainda inflamado pela cólera, alimentado por seus companheiros espirituais, saltou em direção à mulher e começou a tentar arrancar-lhe o vestido.

No entanto, fato curioso se deu nesse instante. Apesar da hora avançada daquela madrugada, o segurança responsável pela vigia da casa noturna a qual saíram o casal vitimado pela violência de Marcos, foi inspirado pelos Mentores espirituais que acompanhavam a cena expiatória, a dilatar um pouco mais as fronteiras de sua vigilância, o que acabou levando-o a presenciar, a uma certa distância, a tentativa de estupro que Marcos dedicava-se.

Ao constatar o ocorrido, o segurança gritou, alertando outros companheiros de trabalho, o que assustou Marcos, que, ao levantar-se, frustrado pela tentativa infrutífera, levantou a arma que carregava e disparou contra a mulher que jazia deitada.

O tiro atingiu-lhe o peito, tingindo de vermelho seu vestido. O projétil, alojado em seu pulmão, dizimava pouco a pouco as resistências físicas da vítima.

Marcos, após o disparo, debandou o local, correndo em direção ao seu refúgio, localizado em subúrbio próximo à cena. Apesar da tentativa de alcançá-lo, os seguranças resolveram que seriam mais úteis no auxílio ao casal vitimado pela conduta inconseqüente do criminoso.

Assim, retornemos ao início de nossa narrativa, onde Marcos debanda em direção ao seu esconderijo, auxiliado pelo breu característico da madrugada, além da ausência de testemunhas de seu crime hediondo.

Ao chegar em casebre miserável, aparentemente abandonado, Marcos verificou se alguém o seguia e adentrou por abertura oculta pelo mato crescente em terreno baldio ao lado. Ao adentrar em seu refúgio, Marcos não pôde conter a adrenalina que o tomava, em mistura com o medo e a consciência de culpa que atinge a todos os que infringem as leis divinas.

Apesar de não dar vazão às acusações que surgiam em seu inconsciente, apontando-lhe os erros cometidos, Marcos não se sentia bem. Leve torpor tomava-o por completo, obrigando-o a procurar o leito improvisado que jazia naquele local imundo e fétido em que repousava.

Gritos de horror, acusações encolerizadas, gargalhadas ensandecidas preenchiam os pesadelos de nosso personagem, fazendo-o rolar nos jornais e pedaços de papelão em que supostamente repousava, quando, em verdade, esgotavam-se seus fluidos vitais, desequilibrando a área cerebral, o sistema nervoso e outros órgãos ligados diretamente aos atos nefandos cometidos.

Parcialmente desdobrado pelo sono físico, Marcos encontrava-se diante de suas antigas vítimas, que se apresentavam completamente tomadas pela insânia do desespero e da vingança a qualquer custo, atirando-se contra aquele ser responsável por seus sofrimentos.

Marcos, desesperado, procurava a arma que trazia sempre junto à cintura, antiga companheira de sua conduta criminosa. No entanto, suas tentativas restavam infrutíferas, pois o instrumento não lhe fazia companhia no plano espiritual, razão pela qual mais uma vez, Marcos corria, numa tentativa desesperada de não enfrentar a própria consciência.
Não importava o quanto fugisse, sempre se deparava com aqueles seres desfigurados, de aparência grotesca e deformações diversas, carregando aspecto monstruoso e infeliz.

Marcos berrava, implorando paz. Não conseguia repousar um minuto sequer o espírito aflito, pois aqueles seres o perseguiam, o agrediam e o acusavam de crimes mil.

Tais perseguições sempre faziam com que Marcos despertasse banhado de suor, coração disparado e mente confusa. Ele não mais sabia o que era adormecer em paz, repousar o corpo físico para as atividades diárias.

Por esse motivo, Marcos apelava à utilização de narcóticos poderosos para alcançar o repouso forçado do corpo, sem atentar que ainda que seu corpo adormecesse, seu espírito continuaria preso às condutas criminosas, deparando-se com aqueles seres vitimados por sua animosidade em situações pregressas.

Totalmente avesso à consciência espiritual a que todos devemos buscar, Marcos procurava desesperado a seringa confortadora, que trazia a suposta paz que tanto almejava. Esse era outro objeto que sempre lhe fazia companhia nas madrugadas frias.

Os objetos de valor conseguidos através das atividades ilícitas que praticava serviam para alimentar o vício crescente, que dominava-o há anos, esgotando, pouco a pouco, o fluido vital que o mantinha ligado ao corpo físico, este totalmente desnutrido e com aspecto cadavérico.

Após algumas picadas da aludida seringa, a qual continha droga devastadora, Marcos voltava a tentar repousar, sofrendo novas investidas de seus inimigos espirituais, que o aguardavam no plano extra físico para prosseguirem na vindita cruel.

Novamente, Marcos despertava, alucinado pelos efeitos da intensa drogadição, que se misturavam com o temor dos seus perseguidores, sempre dispostos a desequilibrarem todas as suas resistências mentais nas raras oportunidades de desprendimento corporal.

Como os ataques prosseguiam infrenes, Marcos resolveu por aumentar a dose da droga, injetando em si próprio grande quantidade do aludido narcótico, capaz de provocar o colapso do coração, e a conseqüente falta de oxigênio no cérebro.

É nesse estado lastimável que o criminoso Marcos desencarna naquela madrugada. Totalmente abandonado à própria sorte, não detém a companhia de quem quer que seja, muito menos de companheiros ou familiares amorosos, que poderiam diminuir-lhe as dores que o torturavam.

O efeito da droga é devastador. Após contínuas dispnéias, dores lancinantes no peito, Marcos sucumbe sem que pudesse clamar por socorro, silenciada que estavam suas cordas vocais.

Ainda que o seu mentor espiritual quisesse auxiliá-lo, não o poderia, vez que a sintonia vibratória que se encontrava Marcos não propiciava qualquer diálogo entre o benfeitor e seu pupilo espiritual.

Assim, como suicida indireto, Marcos abandona o invólucro carnal e retoma à Vida verdadeira, no pós-túmulo. Ainda atordoado pelo efeito do entorpecente, que prosseguia desequilibrando seu períspirito, Marcos não constata a própria desencarnação, permanecendo deitado junto ao corpo físico, agora sem qualquer sinal de vida.

Não saberia dizer quanto tempo ali permaneceu, totalmente alienado da própria condição, começando a sentir os primeiros efeitos da morte física. Dias terrenos se passaram até que Marcos conseguisse finalmente despertar.

Ao deparar-se com o corpo, ainda abandonado na mesma posição em que adormeceu, Marcos não acreditava no que via. Via-se separado do corpo físico, porém, ligado por laço tênue, escuro, que o impedia de afastar-se do cadáver.

O seu estado de suicida não lhe permitiu desvencilhar-se do corpo físico, vez que ainda haviam depósitos de fluido vital para manter-lhe encarnado por longos anos, no entanto, através de seu livre arbítrio, Marcos optou por abusar de substâncias letais, causando-lhe a morte prematura.

Gritos de horror, acusações encolerizadas, gargalhadas ensandecidas novamente chegavam aos ouvidos de Marcos, que a tudo sentia, desesperando-se mais e mais. Suas vítimas rodeavam-no, fazendo-o sentir o que lhes havia provocado quando cometera os crimes hediondos.

Dentre esse grupo tenebroso, haviam uns de aspecto indescritível. Espíritos que mais se assemelhavam a grandes répteis rastejavam em direção ao cadáver de Marcos, iniciando macabro ritual de vampirização, termo utilizado para descrever a ação de espíritos desencarnados que “sugam” o fluido vital de corpos físicos, verdadeiros depósitos da referida substância mantenedora da vida nos seres encarnados.

Além de totalmente entregue à própria consciência, que lhe dizia sem rodeios das faltas que cometera, servindo de amigo completamente sincero pois não ocultava a verdade com palavras afáveis ou comentários falsos, mas sim revelava-lhe a verdadeira situação espiritual a que estava destinado, conforme os atos cometidos por liberalidade do criminoso.

Completas duas semanas de seu desencarne, Marcos ainda encontrava-se preso ao corpo, sentindo todas as transformações físicas que a cessação da vida provoca no corpo material, tais como putrefação, ataque de pequenos animais e insetos, que contribuíam para embasar a tese de que nada se perde, mas sim tudo se transforma na Natureza.

O cheiro era insuportável, o que provocava desmaios e acessos de vômitos no espírito de Marcos, que agora sofria pelas ocorrências infelizes que provocava, além de responder pelo ato do suicídio, maior crime contra a Lei Divina que alguém pode cometer.

Após descobrirem o cadáver do antigo corpo de Marcos, após algumas semanas, o mesmo foi encaminhado às câmaras frias do necrotério, onde o corpo do falecido foi utilizado como material de estudo para grupos de estudantes da Medicina humana.

Marcos, ainda vinculado ao corpo físico, sentiu todas as transformações do mesmo, além dos cortes silenciosos do bisturi e de todas as sensações provocadas pelas mãos dos estudantes, totalmente alheios à complexa realidade espiritual que os rodeavam.

Difícil conceber o tempo passado naquela lamentável situação, especialmente para o espírito de Marcos, que parecia viver a condenação eterna de tormento terrível, que não cessava. Nesse intervalo, inúmeras situações humilhantes e dolorosas foram provocadas pelas antigas vítimas de Marcos, que já o vinham perseguindo há centenas de anos, em reencarnações sucessivas, nas quais Marcos recaía nos mesmos erros que marcavam sua personalidade equivocada.

Para aqueles que deduzirem que o espírito de Marcos cedeu à dor e arrependeu-se dos erros cometidos, equivocam-se, vez que as dores e as perseguições sofridas por esse rebelde espírito somente fizeram aumentar seu ódio para com aqueles que o perseguiam e especialmente contra Deus, considerado injusto e implacável, segundo as sombrias idéias de Marcos.

Seu perispírito estava irreconhecível. Os sofrimentos passados e a contínua mentalização de revolta e ódio fizeram-no moldar aspecto monstruoso ao seu invólucro espiritual. Suas vítimas, que agora constituíam seus algozes extasiavam-se com a situação deplorável de Marcos, fazendo-o reduzir a um ser rastejante, totalmente submisso às suas vontades.

Passado um tempo que poderia ser constituído por meses ou anos, não saberíamos dizer, Marcos finalmente encontrava-se desvencilhado do fardo material a que se vinculara para, teoricamente, atenuar suas penas, realizando o bem comum, sempre em favor do semelhante, para que a montanha de seus “pecados” fosse transportada pelo poder da fé.

No entanto, em decorrência dos caminhos escolhidos por nosso personagem, agora o mesmo encontrava-se na situação descrita até então, sofrendo o assédio de suas antigas vítimas, que procuraram a justiça pelas próprias mãos, endividando-se igualmente e fazendo com que a ligação de ódio existente entre os envolvidos aumentasse de forma incontrolável.

Arrastado por uma espécie de coleira, Marcos foi levado pelos seus algozes imprevidentes para o Umbral, região assim denominada por se encontrar em faixa vibratória afastada de qualquer iluminação solar, caracterizada por intensa escuridão e sofrimento.

Alguns poderiam questionar acerca da Justiça Divina, que permite os atos hediondos aqui retratados, fazendo com que seres consigam escravizar outros através da utilização da força. No entanto, não podemos olvidar que a Consciência Divina nos permitiu fazer as escolhas que entendemos pertinentes, o que caracteriza o livre arbítrio. Por esse motivo, devemos estar preparados para sofrer as conseqüências de nossas escolhas, sejam elas más ou boas.

Marcos encontrava-se ligado àqueles que fizera mal anteriormente, por liberalidade do mesmo. Sendo assim, contraiu dívida perante a Lei Divina. Tal débito seria adimplido através de reencarnações sucessivas, aonde aquele que comete o delito é reabilitado pelas condições da reencarnação que precisa retomar.

No entanto, muitos espíritos procuram aplicar a pena que entendem devidas, esquecendo-se que somente Deus pode aplicar a Sua Lei. Não podemos nos considerar aplicadores dessa Norma Divina, impondo àqueles que consideramos criminosos as penas que entendemos devidas.

No caso retratado, as vítimas de Marcos optaram por julgá-lo e condená-lo às penas que quiseram, e, como Marcos encontra-se em débito perante a Lei Divina, os Espíritos Superiores nada podiam fazer para auxiliá-lo, salvo orar para que o mesmo procure a oração e se desvencilhe dos pensamentos infelizes de auto-punição e revolta íntima.

Voltando à região a que nos referimos, avistaremos Marcos nas mãos de seus algozes, sofrendo todo tipo de punição que a mente doentia daqueles seres conseguiam conceber. Jogado à uma gruta escura e fétida, Marcos, encarcerado e algemado por pesadas correntes, já havia perdido a razão. Seus pensamentos mesclavam-se em um misto de ódio, revolta e arrependimento.

E é exatamente nesses momentos onde o arrependimento dominava seus pensamentos, que foi possível para Marcos o reencontro com seu lado obediente às determinações divinas. Depois de longos períodos ouvindo as acusações que lhes eram atiradas e nas dores provocadas pela brutalidade daqueles seres, passou a refletir acerca de seus atos, o que levou-o ao arrependimento.

Numa dessas oportunidades, completamente esgotadas as suas forças para resistir às penas aplicadas, com fome, sede, quase cego, algemado a escura pedra escura e naquela gruta fétida, Marcos ensaiou uma oração.

Porém, para aquele coração embrutecido pelos séculos de dedicação ao mal, a oração era campo totalmente desconhecido. Se em algum tempo ele aprendeu a orar, se tratava agora de lembrança completamente esquecida pelas malhas do tempo.

Ajoelhado ao chão lamacento, Marcos levantou a fronte, fixando o parco olhar nas nuvens espessas que envolviam aquele terrível lugar e pela primeira vem em séculos de existência, com os olhos marejados pelas lágrimas, rogou auxílio ao Criador, implorando perdão pelas faltas cometidas e prometendo alterar as condutas a partir daquele momento.

Somente o silêncio cortado por alguns gritos de dor distantes adveio em resposta, o que somente trouxe frustração à Marcos, agora jogado ao chão, sob pranto convulsivo, sentindo-se completamente abandonado pelo Senhor das Vidas.

No entanto, após alguns instantes, Marcos começou a ouvir gritos distantes, diferentes daqueles a que estava acostumado na convivência daquela paisagem sombria.

Os gritos aproximavam-se. Com certa dificuldade, Marcos conseguiu identificar as palavras ditas, percebendo que algo de incomum se passava em local próximo ao seu cárcere. Assim, Marcos concentrou-se e começou a ouvir uma discussão:

- Vocês novamente? O que desejam aqui? Esse lugar nos pertence! Aqui vocês não têm poder algum! Saiam daqui! Vão! Ou iremos expulsá-los brutalmente!

Marcos não conseguiu ouvir a resposta do ser que desafiava seus algozes, porém afirmava tristemente que não sairia mais dali, tendo em vista a brutalidade em que seus inimigos tratavam os intrusos.

Porém, após fixar mais firmemente o olhar no horizonte completamente escuro, Marcos conseguiu distinguir um feixe de luz que descia dos Céus, agora iluminado. Com o clarão desconhecido a atingir-lhe a visão, Marcos não conseguia abrir os olhos. Tantos anos sem vislumbrar qualquer raio de Sol o fez extremamente sensível àquela radiosa luz.

O único sentido preservado pelo tempo foi a audição, pelo que Marcos pôde ouvir gritos e o som de grande massa se deslocando às pressas.

- Aquela luz misteriosa certamente tem relação com a correria – pensou Marcos, tentando abrir os olhos para ver o que se passava.

No entanto, estava temporariamente cego, em virtude da violência com que fora tratado, associado à intensidade da luz que desceu das alturas.

Ainda assim, pôde Marcos verificar que os gritos haviam cessado. Grande silêncio reinava no ambiente sempre coroado de berros, ameaças e palavrões. Marcos permaneceu ajoelhado, curioso com o que ocorria, mas sem compreender de imediato o que se passava.

Passados algum tempo, Marcos conseguiu abrir lentamente os olhos e pôde verificar a causa de todo aquele silêncio. A alguns metros, haviam homens e mulheres com vestimentas luminosas, andando entre diversos outros seres alienados, caídos ao chão, rogando auxílio.

Entre estes seres iluminados, Marcos pôde avistar ao longe uma espécie de carroça, onde alguns de seus companheiros de sofrimentos eram levados, carregados em macas de cor alva por aqueles espíritos estranhos para ele.

Os antigos algozes e seus comparsas não mais ali estavam. Haviam todos debandado para regiões mais abissais, em busca da sombra e da treva a que estavam acostumados e não queriam abandonar.

Ele, no entanto, não agüentava mais aquele suplício e começou então a rogar, ajoelhado, mais uma vez, que fosse resgatado pelos seres que denominou “anjos de Deus”.

Essas súplicas chamaram a atenção de um dos componentes do iluminado grupo, que se aproximou com um sorriso nos lábios, dizendo:

- Enfim, Marcos! É chegado o dia de tua libertação!

Sem conseguir conter as lágrimas, Marcos agradeceu aos Céus a dádiva que chegava, jogando-se aos pés daqueles seres, tentando beijar-lhes a túnica alva que vestiam.

No entanto, as algemas que o prendiam impossibilitaram que se movesse. Foi então que o mesmo ser que se dirigiu a ele ordenou a dois outros componentes do grupo que libertassem Marcos e alguns outros que também estavam presos à rocha fria e úmida.

Alguns espíritos que jaziam igualmente prisioneiros naquele local, imploravam auxílio, porém não o recebiam. Quando se apercebiam disto, bradavam e exigiam que também fossem levados, ameaçando atacar a caravana caso não fossem auxiliados.

Os trabalhadores de Cristo aplicavam passes em todos, fazendo adormecer alguns e carregando outros para os compartimentos da caravana, incluindo Marcos. O trabalho deu-se em completo silêncio e organização e, passados alguns minutos, a caravana seguiu, abandonando a treva.

Os espíritos que ficaram, berravam e corriam em direção à caravana, alguns com punhos cerrados, outros com pedras em mãos, ameaçando e prometendo vingança pelo abandono.

Marcos questionou a um dos trabalhadores que estava ao seu lado sobre o porquê do abandono àqueles seres, igualmente sofredores.

O trabalhador, que tinha um olhar piedoso para com os espíritos que ficavam, olhando-os por pequeno orifício ao lado do veículo, respondeu à Marcos que eles não estavam preparados para permanecer no local para onde estavam indo, pelo fato de seus corações não se encontrarem suficientemente arrependidos pelo mal que praticaram.

Ouvida a explicação, Marcos não conseguiu mais permanecer desperto, vindo a adormecer em alguns segundos.

FIM DA PRIMEIRA PARTE

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